domingo, 21 de novembro de 2010

Aumento da tarifa de ônibus: um assalto à mão armada

Depois de ser prejudicada com as falhas na implantação do sistema passe livre, população natalense é vitíma de mais uma triste medida: o reajuste da tarifa.

Primeiro foi o passe livre - sistema de bilhetagem eletrônica ironicamente batizado com o mesmo nome de um movimento nacional pela tarifa zero - que surgiu com a pretensão de ajudar mas, por algumas falhas no planejamento, deixou muita gente na mão. Como os moradores da Zona Norte, por exemplo, que se viram impedidos de usufruir da gratuidade na integração porque o atraso dos ônibus e a demora no trajeto das linhas obrigava-os a passar mais tempo na condução do que a 1 hora estipulada pelo sistema, forçando-os a inevitavelmente pagar outra passagem e aumentar ainda mais a já elevada despesa com o transporte coletivo. Agora é a tarifa, que está prestes a sofrer um novo reajuste.

Desta vez, o aumento vem da forma mais absurda e rídicula que poderia ter vindo: através de um decreto, elaborado às pressas pelo então presidente da câmara e prefeito em exercício - que, na ausência da dona da casa, assumiu a chefia do executivo temporariamente (de 2 a 8/11) - juntamente com o secretário de mobilidade urbana da cidade. Fica difícil de acreditar, mas tudo indica que seja verdade. E, segundo o que se escuta por aí, não fosse por uma intervenção, no mínimo sensata, do chefe de gabinete da prefeitura, o aumento já estaria em vigor hoje mesmo. É que em cima da hora ele suspendeu a medida, alegando que ela não poderia ser publicada no Diário Oficial sem o conhecimento, e o consentimento, da prefeita.

Nem que houvesse alguma qualidade no transporte coletivo, justificaria. Imagina então quando o que há é justamente o oposto: descaso e omissão. A população terá que continuar passando pelos mesmos constrangimentos, como esperar horas na parada, pegar ônibus lotados e, até mesmo, sucateados, e ainda pagar mais por isso? "Existem ônibus circulando há dez anos em Natal, quando a idade limite é sete anos. São pontos que ainda não estão sendo cumpridos e nós precisamos sentar para conversar com a categoria", alertou o antigo o secretário municipal de transporte, no ano passado.

O caso é tão sério, e a população de tão modo ignorada em detrimento do lucro das empresas, que a tarifa vem recebendo aumento sucessivamente, ano a ano. Em contrapartida, qualquer melhoria no setor geralmente leva mais de uma década. Em setembro de 2007 a tarifa sofreu um aumento de 9,38%, sendo reajustada para R$ 1,75. Em julho de 2008, o aumento foi de 5,7%, elevando a tarifa para R$ 1,85. Já em setembro de 2009, o reajuste foi de 8,1% e a tarifa aumentou para R$ 2,00. Agora estão aumentado para R$ 2,30: o que totaliza um aumento de mais de 30% em apenas três anos! O próprio ex-secretário de transporte público reconhecia a ineficiência do sistema e o exorbitante preço das tarifas em relação ao serviço prestado, e fez questão de afirmar, também no ano passado: "O preço da tarifa não é justo porque o modelo de transporte de Natal é ruim".

Para os abastados a diferença pode parecer pequena, mas para os necessitados, não é. Pagar 60 centavos a mais por dia - custo do reajuste para quem faz uma viagem de ida e outra de volta - além dos R$ 4 que já tem que pagar, é o suficiente pra sobrecarregar ainda mais o orçamento de quem vive com uma baixa renda. E se fosse um valor tão insignificante, tão irrepresentativo, porque os empresários estariam insistindo tanto pra decretar? Para o pobre que briga pelas moedas, são centavos, mas para o magnata dos transportes, são cifras e mais cifras na conta corrente.

Natal tem mais de 1 milhão de usuários de ônibus. Se formos calcular o montante acumulado com os 60 centavos cobrados a mais de cada passageiro diariamente, teríamos ao fim de um mês (com 23 dias úteis) algo em torno de - pasmem - R$ 13,8 milhões. Talvez o cálculo não esteja certo, mas o valor certamente não é coisa pequena. Estamos sendo sendo vítimas de um verdadeiro assalto à mão armada, em plena luz do dia. E enquanto as autoridades supostamente responsáveis para deliberar sobre o assunto nada fazem, os espertalhões se aproveitam. Sim, é lamentável: além de não oferecerem um serviço de qualidade, as empresas que monopolizam o transporte público de Natal ainda combatem qualquer tentativa das empresas alternativas de taparem alguns buracos nessa parede.

Enquanto isso, o povo aguarda - e haja paciência! - pela implantação da bilhetagem única no sistema de transporte alternativo. A mudança facilitaria a vida dos passageiros, que enfim poderiam utilizar seus cartãos de passagem em vans ou microônibus que percorrem as outras linhas. Até agora nada de efetivo foi feito. Talvez porque não seja interesse do monopólio, e portanto não esteja como prioridade em suas pautas. "Quem decide as coordenadas hoje são as empresas privadas, com um poder público omisso. O que estamos vendo é algo que deveria ser administrado pelos órgãos públicos, e não é. São justamente os nossos concorrentes que decidem tudo e nós, junto com toda a população, é que pagamos o preço", desabafa um representante da classe alternativa.

No mais, está claro que uma parcela dos gestores - aquela que representa a elite dinossáurica -  está mais do lado das empresas de ônibus do que dos passageiros. É um cabo de guerra por demais injusto: enquanto um ou outro atrevido, ou novato no pedaço, tenta trazer o transporte pro lado do povo, os veteranos insistem em puxar de volta pros empresários. E agora, como é que fica?

“É uma honra para nós, como membros do legislativo, assumir função tão importante. Prova que há sintonia e confiança mútua entre os dois poderes", disse o prefeito interino, e também proponente do aumento. Resta saber se há também uma sintonia entre esses poderes e a população.

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